Integrante
da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Walmir
Oliveira da Costa é especialista em dano moral. Sua tese de mestrado na
Universidade Federal do Pará sobre o tema foi publicada como livro em
1998, com o título Dano Moral nas Relações Laborais - Competência e
Mensuração, no qual dá ênfase à mensuração do dano moral em casos
específicos, propondo parâmetros que ajudem o juiz a definir o valor da
compensação.
Em
entrevista exclusiva à Secretaria de Comunicação do TST, ele aborda
este e diversos outros aspectos das ações relativas ao dano moral no
ambiente de trabalho, entre elas a dificuldade do TST em uniformizar as
decisões sobre o tema. Temos de uniformizar critérios, e não valores,
defende.
Quais os parâmetros legais para fixação das indenizações por dano moral?
Ministro
Walmir - No Código Civil de 1916, o critério era o do tarifamento, ou
seja, havia a prefixação do valor da indenização. Tínhamos também a Lei
de Imprensa, que estabelecia entre 20 e 200 salários mínimos, que depois
foi declarada inconstitucional pelo STF, e o Código Nacional de
Telecomunicações (artigo 61), que fixava valores de até cem salários
mínimos para situações de violação de direitos. Hoje, porém, é vedada a
indexação ao salário mínimo. Quando o dano moral envolvia injúria,
usava-se a pena de multa Código Penal. A Constituição Federal de 1988
adotou um sistema aberto, acabando com o sistema de tarifamento.
É possível quantificar uma lesão de caráter subjetivo?
Ministro
Walmir - A violação da intimidade da personalidade e de atributos
valorativos do ser humano é muito difícil de mensurar. É aquela
discussão: a dor tem preço? Não, a dor não tem preço. Mas a repercussão
da dor na esfera da vítima gera uma responsabilidade para quem ofendeu, e
não pode ficar impune.
E como se chega a essa punição?
Ministro
Walmir - Hoje, o juiz não tem critérios objetivos ou determinantes para
fixar o valor da indenização. O Código Civil se limita a estabelecer
que a indenização se mede pela extensão do dano. Eu, particularmente,
acho que, na esfera trabalhista, não se trata de indenização, porque
indenizar é restituir ao estado anterior. Entendo que é apenas uma
compensação pela dor. Não há possibilidade, na esfera trabalhista, de
restituir. A reparação pode ser pecuniária, mas também o que chamamos de
reparação in natura: pedido de desculpas, declaração reparatória, que
não é em dinheiro.
O que se deve levar em conta no exame dessa reparação?
Ministro
Walmir - Em primeiro lugar a extensão do dano, que é um conceito
subjetivo. Para avaliá-la, deve-se examinar a gravidade e a
potencialidade do dano, a repercussão da lesão na esfera da intimidade, e
se essa repercussão transcendeu aos limites da empresa, ou seja, se foi
tornada pública. Não é o fato em si da publicidade que determina a
mensuração do dano. A publicidade é uma causa de agravamento. Deve-se
levar em consideração também a situação econômica do ofensor e da
vítima, a natureza da ofensa, se houve lesão física, doença ocupacional,
culpa - enfim, todas as circunstâncias do caso. A teoria da compensação
do dano se alicerça num tripé: punir o infrator, compensar a vítima e
prevenir novas condutas dessa natureza. Eu não concordo em fixar
previamente os valores, com o tarifamento.
Não
se pode, ainda, aplicar uma indenização que enriqueça a vítima, o
chamado enriquecimento ilícito. Hoje, o critério aberto prevê o
arbitramento por equidade, ou seja, a avaliação do juiz no caso
concreto.
E como se aplica a equidade?
Ministro
Walmir - Aqui no TST, tentamos uniformizar o procedimento. Em casos de
chacotas e brincadeiras ofensivas, por exemplo, chegamos a um valor
médio, que vai de R$ 15 mil a R$ 80 mil. Esta semana julgamos, na
Primeira Turma, o caso de um ex-ilustrador do Estadão, portador do vírus
HIV. Mandamos reintegrá-lo e fixamos R$ 35 mil por danos morais, mas
não pela discriminação: o dano alegado por ele não foi por isso, e sim
pelas gozações dos colegas por sua orientação sexual.
A capacidade econômica gera diferenças nos valores?
Ministro
Walmir - Sim, tanto do ofensor quanto da vítima, devido ao caráter
punitivo e didático da condenação. Lembro-me de um caso vindo do Rio
Grande do Sul de uma empregada doméstica chamada de negrinha, em que
condenamos o patrão, um industrial, a indenizá-la em R$ 10 mil. Ele não
recorreu. Noutro caso, um gerente da Light virou alvo de uma charge no
jornal por causa de um corte de energia. O Regional deu R$ 660 mil,
porque era um gerente, tinha padrão de vida elevado. Chegamos, no fim, a
R$ 180 mil. Não tem um critério objetivo além da jurisprudência.
Lesões semelhantes não deveriam levar a indenizações equivalentes?
Ministro
Walmir - Em alguns casos, a lesão pode ser aferida mais objetivamente
para quantificar o dano. Por exemplo: a lesão por esforço repetitivo
(LER), em qualquer pessoa, acontece mais ou menos do mesmo jeito, tanto
no chefe de serviço, gerente, subgerente, diretor, caixa, digitador.
Muitas vezes um ganha R$ 25 mil, outro R$ 150 mil, há casos até de R$
350 mil por LER. Eu parto da lesão e das consequências da lesão. O juiz
não tem parâmetro, por isso me valho do balizamento da jurisprudência.
Na
maioria das vezes, porém, não se pode fixar o mesmo valor devido às
circunstâncias do caso. É preciso fazer uma gradação da punição. Um
mesmo valor de indenização para uma padaria acaba com a padaria, mas se
for um grande banco, ele não vai sentir nenhum impacto. Ao mesmo tempo,
não é porque se trata um grande banco que vou fixá-la em milhões.
O tempo de serviço entra nessa conta?
Ministro Walmir -
Não deveria, porque, do ponto de vista subjetivo, uma ofensa pode
atingir com a mesma intensidade um empregado que tem um ano de casa e um
que tem 20 anos. Muitos juízes utilizam o critério do artigo 478 da
CLT, sobre indenização no caso de rescisão conforme o tempo de serviço
do empregado que tinha estabilidade decenal, que mandava pagar um mês de
remuneração por ano de serviço. Mas não é um critério razoável: por
ele, um empregado que tenha apenas 11 meses não vai ganhar nada. Eu
defendo até mesmo o dano moral pré-contratual, tanto para o candidato
quanto para a empresa. Não se pode exigir, por exemplo, teste de
gravidez na fase de seleção.
A vítima tem de provar que sofreu com o dano?
Ministro
Walmir - A lesão decorre da própria conduta ofensiva, por isso não se
exige que se faça prova do dano. A rigor não se prova o dano, mas o ato
danoso, o nexo de causalidade e a culpa, quando for subjetiva.
Como caracterizar o ato danoso, por exemplo, na instalação de filmadoras no ambiente de trabalho?
Ministro
Walmir - A Constituição Federal protege a honra e a intimidade. Por
isso, entendemos que é proibido, por exemplo, a instalação de câmeras no
banheiro. Se o empregador vai utilizar a câmera para fiscalização de
suas dependências, como salvaguarda do patrimônio empresarial, não há
problema, desde que não invada a intimidade do trabalhador. Tudo tem de
usado com moderação e tendo em vista a finalidade do empreendimento.
O
Código Civil diz que temos direitos e prerrogativas. Se você exorbitar,
você perde - é o chamado abuso de direito. Não há lei que proíba a
instalação de câmeras. Há sim um constrangimento, mas natural, e todos
nós estamos diariamente sujeitos a isso. Hoje, pela modernidade, não
podemos deixar de conviver com esses instrumentos. Só o fato de estar
sendo filmado, de forma impessoal, com conhecimento do próprio
trabalhador, não gera dano moral.
O empregador também pode pedir indenização do empregado?
Ministro
Walmir - O dano moral é via de mão dupla. O empregador, seja pessoa
física ou jurídica, também sofre dano moral. Imagina um empregado que
venda um segredo industrial para o concorrente, por exemplo. Ele deve
reparar o dano causado.
É possível unificar a jurisprudência sobre o valor da indenização?
Ministro Walmir -
Devemos uniformizar critérios, e não valores. Acredito que os Regionais
devem se orientar pelas decisões do TST para evitar os excessos nas
condenações, para mais ou para menos. Não se pode enriquecer alguém ou
acabar com uma empresa, assim como não se pode dar apenas R$ 700 porque
se trata de empregada doméstica. É muito difícil para o TST fazer o
controle de legalidade e constitucionalidade das indenizações devido à
vedação do reexame de fatos e provas. Acabamos caindo no critério da
teratologia do valor - absurdamente alto ou ínfimo -, que também não é
objetivo porque não é visto à luz dos fatos e provas.
O que a parte pode fazer se quiser que o valor seja revisto pelo TST?
Ministro
Walmir - É preciso que o recurso chegue ao TST corretamente
fundamentado, apontando os dispositivos pelos quais se entende que o
valor deve ser aumentado ou diminuído. A parte às vezes vem e alega
violação ao artigo 157 da CLT, que trata de segurança do trabalho, e não
de dano moral. Tem de se apontar o 927 ou o 944 do Código Civil,
específicos sobre o tema. Outra coisa, o fato é necessário. Se o
Regional não coloca os fatos, a parte tem de embargar pedindo que se
manifeste sobre eles, para que possamos examiná-los no TST a partir do
acórdão. Se o TRT não o fizer, pode-se arguir nulidade por negativa de
prestação jurisdicional, e podemos mandar o processo voltar.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
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