Imagine
ter que ficar nu diante dos colegas de trabalho, diariamente, no início
e fim do expediente. Esse é o exercício mental proposto pela juíza
Deizimar Mendonça Oliveira em sentença proferida na 1ª Vara de Tangará
da Serra como forma de se entender a afronta a que os trabalhadores de
um frigorífico da região estão submetidos todos os dias a fim de buscar o
sustento de suas famílias.
Ao
tomar ciência da prática cotidiana em um dos maiores frigoríficos de
Mato Grosso, a magistrada determinou fossem comunicados imediatamente o
Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego (SRTE) para as medidas cabíveis.
O
caso veio à tona em processos judiciais nos quais trabalhadores pediam
especialmente o pagamento de horas extras pelo tempo despendido para se
uniformizarem. Mas ao ouvir as partes e testemunhas, a juíza foi
surpreendida pelos relatos - inclusive de representantes do frigorífico -
que descreviam o procedimento de fazer os empregados se despirem, tanto
no vestiário feminino quanto no masculino, para em fila retirarem o
uniforme e então aguardar a vez de se vestir.
Os
detalhes ouvidos pela magistrada a fizeram lembrar que passados mais de
60 anos da aprovação pelas Nações Unidas da Declaração Universal dos
Direitos do Homem que proclama em seu artigo 1º que “todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e ainda em seu artigo
6º, que “Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecida como pessoa perante a lei”, ocorrem ainda “franco
desrespeito à dignidade das pessoas pelo simples fato de serem
trabalhadoras de uma grande empresa”.
A
juíza assinalou que a empresa justifica a conduta tendo em vista o
rigor do Serviço de Inspeção Federal (SIF) quanto às condições de
higiene. No entanto, ela ressalta que não se vê, todavia, a mesma
preocupação com os trabalhadores, embora estes sejam fundamentais para o
crescimento e multiplicação do capital.
A
magistrada também salientou que certamente alguns defenderiam a conduta
da empresa sob o argumento da higiene exigida pela Inspeção, ou ainda
que no vestiário feminino só havia mulheres e no masculino, apenas
homens, ou ainda referir-se ao alto custo de instalações apropriadas
para os empregados se trocarem. Nenhuma dessas justificativas,
entretanto, poderia se sustentar. Pouco importa que os vestiários sejam
destinados a pessoas do mesmo sexo. A intimidade, expressamente
preservada pela Constituição da República, é individual, revelando
direito personalíssimo, esclareceu.
Quanto
aos custos do empreendimento, a sentença ressalta que estes devem levar
em conta sempre o respeito aos direitos dos trabalhadores, não devendo
ser mantido se inviável o cumprimento da lei. Aqui vale lembrar que o
desrespeito coletivo aos direitos dos trabalhadores não torna menos
grave por sua massificação, mas o potencializa, asseverou.
O
caso ao fim é classificado como grave pela juíza por violar ainda uma
série de normas e princípios constitucionais como o da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, II da Constituição da República), dos
princípios da função social da livre iniciativa e da propriedade (art.
1º, IV e 170, II), da justiça social, promoção do bem de todos, não
discriminação e prevalência dos direitos humanos (art. 3º, I e IV e 4º,
II), sendo desnecessário citar outras normas de hierarquia
infraconstitucional, também desrespeitadas.
No
entanto, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa,
apontados pela magistrada como tão caros quanto os que o frigorífico
vem desrespeitando, decidiu-se por não proferir, no momento, nenhuma
decisão condenatória à conduta da empresa, mas comunicar ao MPT e SRTE
para agirem com as providências que o caso requer.
(Processos 0000313-21.2012.5.23.0051/0001575-40.2011.5.23.0051)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região
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