Por
força do artigo 940 do Código Civil (CC), quem cobra dívida já paga,
total ou parcialmente, deve pagar ao devedor o dobro do valor exigido.
Mas, de acordo com a interpretação da Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), se o montante da indenização for
desproporcional à obrigação quitada, o juiz poderá reduzir o valor da
condenação.
Com
esse fundamento, os ministros da Turma reduziram a base de cálculo de
indenização para o valor previsto em Cédula de Produto Rural (CPR), de
R$ 561 mil, rejeitando como tal o valor da execução ajuizada contra os
produtores, de R$ 4,53 milhões.
Com
a decisão, a empresa de alimentos Cargill pagará aos recorridos
aproximadamente R$ 1 milhão, equivalente ao dobro do preço da quantidade
prevista na CPR considerada quitada, e não mais R$ 9 milhões, valor que
seria devido segundo o acórdão recorrido.
Segundo
o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, embora a indenização
do artigo 940 tenha parâmetros definidos em lei (tarifada), diante das
peculiaridades do caso concreto não se mostra razoável acreditar que os
recorridos tenham suportado dano material sequer próximo a R$ 9 milhões.
Para tanto, ressaltou que, de acordo com o artigo 944 também do CC, a
indenização se mede pela extensão do dano.
Venda de soja
A
Cargill e a Cooperativa Agropecuária Batavo do Nordeste Ltda. firmaram
contrato de compra de venda de soja a granel, a preço fixo, na safra de
2002/2003. A multinacional de alimentos pagou antecipadamente as 25 mil
toneladas de soja que a cooperativa deveria entregar até maio de 2003.
Em garantia, a cooperativa entregou 31 Cédulas de Produto Rural (CPR),
por endosso e aval, equivalentes a 26,53 mil toneladas do grão,
incluindo o montante pactuado.
Como
o total contratado não foi entregue até o vencimento do prazo, a
Cargill buscou judicialmente a entrega da soja faltante - 8,23 mil
toneladas. Em outubro de 2003, ajuizou execução com base nas CPRs contra
a cooperativa e 31 produtores que assinaram os títulos, conjuntamente.
Na petição inicial foi mencionada apenas a quantidade total de soja
prevista em cada CPR, sem informar quanto de cada uma havia sido entregue.
A
Cargill pediu a entrega do produto em dez dias ou o depósito do bem em
juízo caso houvesse embargos à execução. Em caso de descumprimento da
entrega, requereu expedição de mandado de busca e apreensão ou conversão
em execução de R$ 4,53 milhões, valor da causa correspondente à soja
faltante segundo o preço do contrato.
Exceção de pré-executividade
Os
executados apresentaram exceção de pré-executividade alegando que os
títulos careciam de liquidez, pois não traziam no verso anotações sobre a
parte de soja recebida, de forma que seria impossível exigir o saldo.
Rejeitada em primeiro grau, a contestação foi aceita pelo Tribunal de
Justiça do Maranhão.
Posteriormente,
em ação movida por dois dos produtores, o tribunal estadual reconheceu a
nulidade do endosso e a quitação da dívida representada pela CPR por
entender que houve efetiva entrega do produto.
Os
desembargadores consideraram também que a Cargill agiu de má-fé ao
acionar os recorridos solidariamente com outros produtores e condenou a
empresa a pagar, a título de indenização, o dobro do valor cobrado na
execução, que era de R$ 4,53 milhões, além de R$ 8 mil como reposição
dos danos morais sofridos por conta de restrição cadastral. O recurso ao
STJ foi contra essa decisão.
Provimento parcial
A
Cargill questionou o reconhecimento de quitação da dívida pelo tribunal
estadual, alegando que o endosso não tinha vício capaz de comprometer
sua validade. Mas o relator observou que a decisão estava
suficientemente fundamentada. Além disso, ponderou que o recurso não
havia atacado todos os argumentos do Tribunal de origem, rejeitando o
pedido por incidir a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal .
A
empresa alegou também que não havia provas de que teria agido com má-fé
ao propor a ação. Argumentou ainda que o artigo 940 do CC não se
aplicava porque executou obrigação de dar coisa incerta pela mercadoria
não recebida, e não dívida já paga.
O
relator lembrou que a Súmula 7 do STJ veda a análise de provas. Ele
explicou que o artigo 940 do CC serve para proteger quem cumpre suas
obrigações e, apesar disso, sofre uma execução. Nesses casos, segundo
ele, viola a boa-fé o credor que, “pautando-se de modo desatento e
irresponsável em relação ao pagamento”, faz o devedor cumprir com o ônus
de comprovar a quitação.
Assim, a Turma deu parcial provimento ao recurso somente quanto ao montante da indenização arbitrada.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nenhum comentário:
Postar um comentário