Vivendo
no sertão do Ceará há mais de 80 anos, Tereza Veras se ressente de ter
que dividir as tarefas domésticas da fazenda com as duas filhas, as
únicas - dentre os oito irmãos - que não deixaram a propriedade da
família para tentar a vida em centros urbanos com maiores oportunidades.
De
saúde frágil, o que exige visitas indesejáveis ao médico em Fortaleza
(CE) e cuidados extras das filhas, dona Tereza sente falta do tempo em
que os trabalhadores da fazenda forneciam a mão de obra doméstica. Era
só mandar buscar a filha de um morador para ajudar em casa, lembra com
saudade.
Os
moradoreseram na verdade trabalhadores da fazenda que pouco recebiam
além do necessário à própria sobrevivência - como casa e comida.
Atualmente oferecem sua força de trabalho a centenas de quilômetros
dali. Oito meses por ano - na época da colheita - são atraídos pelas
diárias pagas por grandes produtores rurais de outros estados. E seus filhos e filhas já não se interessam mais em trabalhar na casa de terceiros em troca de agrados como sapatos ou vestidos.
Apesar
de receberem, dos fazendeiros, títulos como filhas de criação as jovens
trabalhadoras domésticas não tinham direito ao estudo ou mesmo a
oportunidade de sonhar com um futuro diferente, como os filhos legítimos
da casa.
Não ao trabalho infantil doméstico
O
trabalho infantil doméstico, uma das atividades que o governo
brasileiro combate e pretende erradicar até 2016, já foi considerado um
tipo de relação de trabalho comum por várias gerações marcadas pela
pobreza.
A
ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Delaíde Alves Miranda
Arantes, que foi trabalhadora doméstica na adolescência, explica que a
mãe concorda em deixar a filha com os patrões na esperança de um futuro
melhor para a jovem, principalmente quando existe a possibilidade de
estudo, o que normalmente termina por não acontecer. O trabalho infantil
é de conveniência da mãe e do pai, que precisam dele para sustentar a
casa, mas não levam em conta a importância da criança estudar, brincar,
estar inserida no contexto educacional, social e cultural, alerta.
Segundo
a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem dez milhões de
crianças trabalhando em casa de terceiros no mundo. No Brasil, onde a
legislação permite o trabalho doméstico somente após os 16 anos, as
estatísticas oficiais contabilizam cercam de 400 mil crianças nessa
situação. Número não muito confiável, de acordo com a ministra Delaíde,
devido à informalidade comum na atividade doméstica, realizado na
privacidade do lar e sem a fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE).
Não temos poder de polícia, por isso não podemos entrar nas casas quando recebemos denúncias de trabalho doméstico, reconhece Luiz Henrique Ramos
Lopes, chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE.
Ele explica que nessas situações os fiscais do trabalho oficiam o
Ministério Público Estadual e o Conselho Tutelar para agirem.
Particularidades
Enquanto
o decreto 6.481/2008 da Presidência da República classifica o trabalho
doméstico como uma das piores formas de trabalho infantil, ele ainda é
aceito como forma de sobrevivência necessária em algumas classes sociais
brasileiras.
Essa
contrariedade fica evidente quando Maria Teotônia Ramos da Silva,
aposentada após 60 de trabalho doméstico, relata sua experiência de
começar a trabalhar aos 11 anos na casa de uma família abastada de São
Luís (MA). Ela não tem dúvida em dizer que foi uma coisa muita boa.
Eu
sempre quis ter minhas coisas, um sapato, um vestidinho, responde
justificando o precoce início na vida profissional. Dona Teotônia
garante que aprendeu muita coisa naquele lar em que trabalhou, e que sua
vida seria muito mais difícil se não tivesse deixado a realidade
humilde da roça no interior do município de Santa Rita (MA).
Embora
não recebesse salário, conta que era bem tratada e que o trabalho na
casa era leve, pois apenas ajudava no corte e costura de roupas para os
filhos da patroa rica, dona de fábrica.
Mesmo
com todos os elogios aos patrões, ela revela que nunca teve acesso à
educação formal, como ocorreu com os filhos dos seus empregadores. Não
permitiram que ela fosse para a escola com a promessa de que iriam
contratar um professor para lhe ensinar em casa, o que nunca ocorreu.
Isso, no entanto, não impediu que Teotônia aprendesse a ler, embora não
saiba escrever muito bem. Quem me ensinou foi Deus, porque eu leio a
Bíblia.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
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